terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ser Vito Corleone

O bom cinema é aquele que se prolonga para lá da palavra ‘Fim’ ou do início dos créditos finais. É aquele que se mantém na nossa cabeça durante horas, dias, meses, uma vida. Que nos assalta as ideias, que nos altera a percepção das coisas e nos faz pensar muito para além do tempo da sua duração.

E ele há quem encontre felicidade nas coisas mais estranhas, insignificantes ou banais. Para mim, a sensação que me invade, por vezes durante, mas principalmente após ver um grande filme, é a meu ver, algo muito próximo de um momento de máxima satisfação intelectual e emocional. Aquele sentimento de que acabámos de ver algo que tem de ser classificado como uma obra de arte como o são a ‘Metamorfose de Narciso’ de Dali ou o 2º golo de Maradona contra a Inglaterra no Mundial de ’86.

Essa convulsão atacou-me neste fim-de-semana quando revi os dois primeiros tomos da brilhante trilogia ‘The Godfather’ de Francis Ford Coppola, a partir da obra homónima do escritor nova-iorquino de origem siciliana Mario Puzo.

Tudo conflui em direcção à excelência. A densidade e intensidade do argumento e dos diálogos, do recontar da história daquela família, a realização e a fotografia, o acompanhamento musical tão Itália do Sul, o uso do dialecto siciliano/napolitano ou o enquadramento histórico.

Mas o ponto que mais me fascina nos ‘Padrinhos’ é a força e a sinergia partilhadas entre actores e personagens, principalmente na figura de Vito Corleone, umas das mais emblemáticas da 7ªarte. Uma personagem mágica que levou a um caso ímpar na história da entrega dos Óscares: dois actores diferentes a serem galardoados com um Óscar pela mesma personagem (curiosamente nenhum deles subiu ao palco para receber a estátua careca).

No primeiro ‘Padrinho’, o patriarca da família Corleone é desempenhado com um desarmante carisma por Marlon Brando, então numa fase mais amarga da carreira, depois de uns anos 50 absurdamente brilhantes, com 5 nomeações para Melhor Actor e uma estatueta arrecadada com ‘Há Lodo no Cais’ (1954). À sexta nomeação rejeitou o galardão, alegando a defesa dos índios nativos norte-americanos, difamados pela indústria do cinema durante 60 anos.

Na 2ªparte de ‘O Padrinho’, coube a um então ilustre desconhecido Robert de Niro pegar em Don Vito antes de ser Don, quando era apenas um imigrante siciliano em Nova Iorque, fugido da sua ilha natal do Mediterrâneo depois de ver a sua família assassinada pela Máfia local, a original, a dos ‘uomini d’onore’. Numa série de ‘flashbacks’, De Niro procede a uma inigualável construção e desenvolvimento da personagem antes de se tornar ‘capofamiglia’ dos Corleone, mostrando as suas motivações e objectivos. Este papel valeu-lhe o seu primeiro Óscar (Melhor Actor Secundário), logo à primeira nomeação, em 1975. Também não subiu ao palco do Dorothy Chandler Pavillion de Los Angeles para receber a estatueta, cabendo a Coppola tal “frete”.

O cinema cria sonhos. E alguns desses sonhos tornam-se realidade para muitos. A imensidão da figura de Vito Corleone dá-me vontade de vê-la para além de uma personagem, como se uma pessoa assim quase que passasse a existir, depois de tão fantasticamente construída, desenvolvida e interpretada. No meu planeta Terra viveu um homem chamado Vito Andolini ‘Corleone’. Se calhar sou autista ou apenas risível. Vou ver o III.

1 comentário:

Leila* disse...

Acho que o teu mal é quereres voar até itália.. queres vir até veneza?? :P

Já sei, sou má!!!

Baci*